Se a palavra fenômeno remete você à algum jogador famoso está na hora de começar a rever seus conceitos, se há alguém que pode ser assim chamado este alguém é o escritor Machado de Assis.
De origem humilde, órfão, mulato, de saúde frágil, epiléptico, gago e autodidata tornou-se um dos grandes da literatura brasileira e mundial, uma biografia que é um verdadeiro exemplo de heroísmo, autosuperação e luta e que mais à frente trataremos em um post futuro.
Não é à toa que proliferam estudos internacionais sobre este ilustre brasileiro.
Foi mais do que romancista, cronista notável e homem do seu tempo, seu olhar arguto de psicólogo, ao radiografar a sociedade carioca novecentista, descobriu o homem universal. Ah, também foi poeta notável…
Uma Criatura
Sei de uma criatura antiga e formidável,
que a si mesma devora os membros e as entranhas,
com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
e no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.
cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
gosta do colibri, como gosta do verme,
e cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
e caminha na terra imperturbável, como
pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
vem a folha, que lento e lento se desdobra,
depois a flor, depois o suspirado pomo.
Pois esta criatura está em toda a obra;
cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
e é nesse destruir que as forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
começa e recomeça uma perpétua lida,
e sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.
(Machado de Assis)